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Incel: a radicalização da solidão e sua representação na série “Adolescência” da Netflix

A série Adolescência, lançada recentemente pela Netflix, mergulha em um drama perturbador ao retratar a vida de Jamie, um adolescente de 13 anos suspeito de assassinar uma colega de classe. Além de explorar tensões familiares e psicológicas, a produção introduz um termo que vem ganhando notoriedade global: incel. O enlace fictício reflete preocupações reais sobre como ideologias misóginas e violentas se infiltram na juventude, um fenômeno que desafia pais, educadores e autoridades. 

 O que é um “Incel”? 

O termo “incel” — abreviação de involuntary celibate (celibatário involuntário) — designa indivíduos (predominantemente homens heterossexuais) que atribuem sua falta de relacionamentos sexuais ou afetivos a uma suposta injustiça social. Enraizados em ódio às mulheres e na rejeição a movimentos progressistas, como o feminismo, esses grupos culpabilizam a sociedade, especialmente as mulheres, por sua solidão, alimentando narrativas de vitimização e superioridade masculina. 

Originalmente, o termo foi cunhado na década de 1990 por uma mulher chamada Alana, que buscava criar uma comunidade online de apoio para pessoas solitárias. No entanto, a partir dos anos 2010, o conceito foi cooptado por homens que transformaram esses espaços em núcleos de extremismo, promovendo misoginia, racismo e, em casos extremos, violência. 

 A conexão com a violência real 

A série Adolescência não exagera ao vincular a ideologia incel a crimes hediondos. Em 2018, Alek Minassian atropelou deliberadamente pedestres em Toronto, Canadá, matando 10 pessoas. Antes do ataque, ele postou uma mensagem em redes sociais celebrando Elliot Rodger, outro ícone incel que, em 2014, assassinou seis pessoas na Califórnia. Rodger deixou um manifesto misógino e racista, tornando-se um “mártir” para a comunidade. 

Segundo um relatório de 2020 do Counter Extremism Project, ataques vinculados a incels aumentaram 450% entre 2016 e 2020, muitos deles cometidos por adolescentes e jovens adultos. Esses casos ilustram como a retórica incel, inicialmente baseada em autocomiseração, pode evoluir para ações letais. 

Redes sociais e a influência de figuras como Andrew Tate 

A série menciona Andrew Tate, personalidade controversa banida de plataformas como TikTok e Instagram por disseminar discursos de ódio. Tate, que se autoproclama “imperador da masculinidade”, defende a subjugação das mulheres e enriqueceu vendendo cursos que prometem “sucesso masculino” através da dominação. Sua popularidade entre adolescentes — incluindo meninos cada vez mais jovens — acende um alerta sobre como a cultura redpill (“pílula vermelha”, termo usado para descrever a “desilusão” com a igualdade de gênero) é comercializada como estilo de vida. 

Em entrevista à Sky News, Ashley Walters, do elenco de Adolescência, expressou choque ao descobrir a profundidade dessas comunidades: “Quando eu era jovem, vivia em uma bolha. Hoje, as crianças têm acesso a ideologias perigosas com um clique”. Walters destaca a vulnerabilidade de adolescentes em formação, expostos a conteúdos que normalizam a violência e a degradação feminina. 

A representação na série: um espelho da sociedade 

Adolescência não apenas retrata um crime, mas investiga as raízes sociais por trás dele. Stephen Graham, cocriador da série, explicou à Sky News que se inspirou em casos reais para questionar: “Por que chegamos a esse ponto?”. A narrativa sugere que Jamie, o protagonista, pode ter sido influenciado por discursos online que glorificam a agressividade e o desprezo pelas mulheres. 

A psicóloga Dr. Julia Shaw, autora de Evil: The Science Behind Humanity’s Dark Side, explica em entrevista à BBC que jovens isolados são particularmente suscetíveis a grupos incels: “Eles oferecem uma comunidade, mesmo que tóxica, e uma explicação simplista para a dor do indivíduo”. Essa dinâmica é retratada na série, onde a solidão do personagem o torna alvo fácil para radicalização. 

Respostas e desafios 

Alguns países já reconhecem o perigo do extremismo incel. Em 2020, o Reino Unido classificou um ataque incel como terrorismo pela primeira vez, após um adolescente de 17 anos esfaquear mulheres em um shopping. Nos EUA, o FBI monitora fóruns incels como potenciais ameaças. 

No entanto, especialistas defendem que a solução vai além da repressão. Jared Holt, pesquisador do Institute for Strategic Dialogue, afirma que é crucial combater a misoginia estrutural e oferecer apoio mental a jovens. “Precisamos desconstruir a noção de que a masculinidade está ligada à dominação”, diz Holt. 

Adolescência funciona como um alerta sobre os riscos de subestimar a influência de ideologias online. A série não apenas entretém, mas provoca reflexão sobre como a sociedade falha em proteger jovens de doutrinas que transformam inseguranças em ódio. Enquanto plataformas digitais lutam para moderar conteúdos extremistas, famílias e escolas precisam enfrentar conversas difíceis sobre saúde mental, respeito e igualdade. Como Jamie, muitos adolescentes estão à procura de pertencimento — cabe aos adultos garantir que eles não o encontrem em comunidades que celebram a destruição. 

Todos os episódios de “Adolescência” estão disponíveis na Netflix.

Fontes Consultadas:

– BBC News. The ‘incel’ movement: A dangerous online subculture. 

– Counter Extremism Project. Incel: The Urgent Threat of Male Supremacist Violence. 

Institute for Strategic Dialogue. Toxic Twitter: A Toxic Place for Women. 

– Sky News. Stephen Graham on the real-life inspiration behind Netflix’s Adolescence. 

– The Guardian. The rise of incels: How a support group became a violent internet subculture. 

Frank Barroso

Frank Barroso

About Author

Bacharel em geografia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU); jornalista profissional desde 1987, web design há mais de 20 anos. gestor social, líder comunitário, ecologista. Frank é pesquisador na área de planejamento urbano, mobilidade sustentável e geomarketing.

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