Enquanto o Brasil navega por águas turbulentas, assolado por desafios como a inflação galopante e a escalada da violência, Jair Bolsonaro, outrora figura central do cenário político, parece ter encontrado refúgio no passado. Sua estratégia, agora mais do que nunca, consiste em evocar os fantasmas de 2018, na vã tentativa de reacender a chama de um apoio popular que, outrora incandescente, hoje se mostra tênue.
O julgamento que o coloca no banco dos réus, acusado de tramar um golpe de Estado, transformou-se em um palanque improvisado. Bolsonaro, acuado e com a sombra da prisão pairando sobre si, aposta na vitimização como seu último trunfo. No entanto, a comoção que outrora o impulsionou parece ter perdido força, incapaz de romper a bolha de apoio que o sustenta.
Dados da AP Exata – Inteligência Digital, que analisou 212 mil publicações nas redes sociais nos dias 25 e 26 de março, revelam um cenário de polarização consolidada. A decisão do STF de tornar Bolsonaro e seus aliados réus no inquérito do golpe foi celebrada por 47,1% dos posts, enquanto 44,4% saíram em sua defesa. Os 8,5% restantes limitaram-se a registrar o fato, sem tomar partido.
Os defensores de Bolsonaro, em sua maioria, pertencem ao núcleo duro de militantes, que repetem o discurso de perseguição política. São convictos, mas sua voz não encontra eco em novos adeptos. Do lado oposto, os que apoiam a decisão do STF formam um grupo heterogêneo, que vai de petistas raiz a perfis moderados, que, mesmo sem simpatia por Lula, reconhecem na judicialização uma tentativa de proteger a democracia.
Essa conjuntura, que se arrasta desde o primeiro governo Lula, é fruto de erros da esquerda e dos movimentos sociais que apoiaram o PT. Muitas lideranças abandonaram a luta social para ocupar cargos no governo. Os intelectuais da esquerda, deslumbrados com um governo popular, não perceberam a articulação da nova direita radical, que organizou uma guerra de posição para conquistar espaços hegemônicos, utilizando as mídias digitais, sobretudo o WhatsApp e o Telegram, para disseminar narrativas e arregimentar militantes para “devolver o Brasil ao povo”.
Olavo de Carvalho, já falecido, foi um dos expoentes da formação das novas lideranças de direita. Criou-se uma estrutura para combater as crenças de esquerda e destruir a democracia, através de projetos como o Brasil Paralelo, que reescreve a história à luz do liberalismo conservador.
Enquanto isso, o cotidiano do país se impõe. O cidadão comum se preocupa com o supermercado, a segurança do bairro e os boletos que vão vencer. Melhorar a vida das pessoas exige respostas práticas, algo que nem o governo atual, com sua gestão titubeante, nem o ex-presidente, atolado em delírios autocentrados, têm conseguido oferecer.
Os governos Lula e o PT não se ocuparam de cuidar da hegemonia. Foram perdendo as guerras de posição na sociedade civil. Quem estava nas ruas eram os protofascistas, travestidos de patriotas, defendendo a liberdade e contra a corrupção. Dominaram os movimentos pelo passe livre e até enganaram os experientes militantes do PSOL, que eram os hegemônicos nas manifestações.
Assim cresceram tanto e as mobilizações populares dos liberais deram base de massas para o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, que a esquerda chama de golpe. Na verdade, os petistas, Lula e seus aliados próximos estavam cegos. Não viram o movimento chamado de “guerra de posição” que, um termo gramsciano, que Olavo de Carvalho aprendeu direito e subverteu para organizar o maior levante da direita no Brasil. Nem antes do golpe militar de 1964 houvera tal movimentação popular.
Por sorte, o líder que arrumaram para comandar é uma pessoa deplorável, desequilibrada e que só pensa em se dar bem, que é o Jair Bolsonaro. É horroroso ver que uma pessoa como ela teve e ainda tem autoridade sobre grande parcela da população. Usaram a mesma estratégia dos nazistas para promover um desequilibrado a líder de massas. E isso só deu certo por causa de nosso problema civilizatório.
E depois de tudo, da tentativa desastrada de golpe em 8 de janeiro, o brasileiro, enfrentando tantos problemas com a carestia, salários baixos, sistema de saúde precário, a violência crescendo e as milícias controlando territórios no Rio de Janeiro, a gente tem que ver a mídia dar tanto espaço para essa turma de fascistas e promover a imagem de Bolsonaro, mantendo-o vivo como líder dos lunáticos e desiludidos com os governos de esquerda.
No caso de Bolsonaro, esses delírios o fazem ver, no enganoso espelho da vaidade, reflexos do gigante de outrora. Ainda se entende como um Midas eleitoral, o que o deixa em um pedestal no qual deve ser venerado e pode se dar ao luxo de atirar aos leões aliados que, eventualmente, tropeçam no percurso. Mesmo que ele não tenha percebido, por conta desse comportamento, figuras que antes seguiam sua liderança agora preferem o silêncio ou o apoio protocolar e calculado. Afinal, paixão não correspondida transforma amor em conveniência.
Assim como na política, entre os réus do inquérito, a falta de fidelidade parece já repercutir, pois as rachaduras têm surgido. Advogados sinalizam que seus clientes eram apenas “soldados cumprindo ordens”, deixando Bolsonaro na posição desconfortável de capitão abandonado pelo próprio exército. À medida que o processo avançar, essas fissuras podem se transformar em avalanches que comprometerão ainda mais sua defesa pública e jurídica.
Como advertiu Olavo de Carvalho, um dos ideólogos da nova direita brasileira, ao criticar a ingratidão do ex-presidente com os que o ajudaram a subir ao poder: “O Bolsonaro aprendeu isso com Maquiavel e vai terminar como Maquiavel terminou: vivendo da caridade de seus inimigos”. A frase, amarga, soa hoje como profecia.
Em 2018, Bolsonaro era a face de uma onda maior que ele – conservadorismo, antipetismo e esperança por renovação. Agora, quando mais precisaria unir forças, foca em uma lógica familiar e personalista. Uma aposta arriscada para alguém enfraquecido, que precisaria de muitos soldados capazes de o proteger diante do tiroteio. Um ambiente em que a vitimização pode ser insuficiente.
Restou a ele transformar seu próprio julgamento em campanha. Uma campanha que soa datada, marcada por um discurso que já não embala os sonhos de um país ansioso por soluções e por novos horizontes. O movimento que o levou ao poder ainda existe, mas já não é o seu espelho. E talvez nem precise de sua presença. Esse, provavelmente, é o veredito mais difícil de encarar.
Selis Brandão
março 27, 2025Bom artigo, porém tenho divergência de que o sucesso da extrema direita advém de erros de governos e lideranças do PT, porque a extrema direita é um fenômeno mundial. Países importantes de democracia forte estão ameaçados com o fascismo como EUA, Alemanha, Turquia, Argentina, etc……. Todo governo cometem erros sobre algum ponto de vista. A certeza é que os acertos são muito muito maiores e o povo sabe disso, tanto que foi o Partido que maior número de eleições conquistou nos últimos 40 anos.
Todo desgaste sobre os chamados erros do PT foi resultado de campanhas difamatória da mídia utilizando mentiras como o Mensalão, Sítio, Triplex, etc.
O avanço da extrema direita tem como principal fonte geradora as igrejas neopetencostais, a expansão de uma classe média despolitizada….